O ser humano tem uma capacidade cognitiva única no mundo. É ela que
nos distingue dos outros animais, que nos faz perceber essa distinção,
que nos dota da capacidade de comunicação, que nos dá subsídios para
(tentar) entender o mundo. Mas como adquirimos essa inteligência? Como
desenvolvemos essa inteligência, que desde bebês nos faz distintos dos
outros animais?
É sabido que os primeiros anos de vida são fundamentais no
desenvolvimento do ser humano. Essa concepção iniciou cientificamente
apenas no começo do século XX, com os estudos da criança e do
comportamento infantil. Desde então, vem-se estabelecendo uma série de
pesquisas sobre diferentes aspectos da vida psíquica da criança, do seu
desenvolvimento e da concepção de inteligência (e da formação dessa
inteligência) na criança.
Um importante teórico do desenvolvimento, Jean Piaget, preocupou-se
bastante com a questão de como o ser humano elabora seus conhecimentos
sobre a realidade, como acontecem os processos de pensamento. Seus
estudos trouxeram como consequência um avanço enorme do que hoje se
denomina psicologia do desenvolvimento.
Piaget sustenta que o conhecimento procede de construções sucessivas
com elaborações constantes de estruturas novas, existindo uma relação de
interdependência entre o próprio indivíduo, o objeto e o meio em que
está inserido, buscando sempre um equilíbrio com relação a esse meio. O
ser humano, desde bebê, é ativo em seu crescimento, com seus próprios
padrões de desenvolvimento.
O seu estudo da gênese psicológica do pensamento humano, que procura
distinguir as raízes das diversas variedades de conhecimento a partir de
suas formas mais elementares, e acompanhar seu desenvolvimento nos
níveis subsequentes até, inclusive, o pensamento científico, foi o que
chamou de epistemologia genética.
Os métodos utilizados por ele incluíam questionário, entrevistas e
até mesmo a observação de crianças e dos seus próprios filhos. E ao
acompanhar o desenvolvimento do ser humano, Piaget concebeu períodos ou
estágios no crescimento do ser humano, que trazem novas formas de
organização mental, qualitativamente diferentes e que possuem
complexidades crescentes e sucessivas.
E todas as etapas começam com o nascimento. Este artigo tem como
objetivo descrever o que Piaget definiu como a aquisição da inteligência
no período inicial de desenvolvimento do ser humano, o
período sensório-motor.
O Período Sensório-Motor
Piaget denominou o estágio que vai desde o nascimento até 2 anos de
vida da criança como período sensório-motor. Utilizou essa denominação
pois é durante os primeiros anos de vida que o bebê primeiramente
percebe o mundo e atua nele, onde coordena as sensações vivenciadas
junto com comportamentos motores simples, juntando o sensorial a uma
coordenação motora primária. O bebê tem sensações e descobre o mundo
através do deslocamento de seu corpo. Há uma interdependência em
perceber o mundo e atuar nesse mundo.
Nesse período, os bebês desenvolvem a capacidade de reconhecer a
existência de um mundo externo a eles, tendo autonomia para explorá-lo e
construir sua percepção de mundo. Passam a agir não mais apenas por
reflexo, mas direcionam seus comportamentos tendo objetivos a alcançar. É
subdividido em 6 subestágios:
1ª subestágio: Vai do nascimento até aproximadamente
1 mês e meio de vida. Os reflexos inatos, ao serem exercitados, vão
sendo controlados e coordenados pelos neonatos. Os autores Cole &
Cole (2003) citam que Piaget acreditava que os reflexos presentes no
nascimento proporcionavam a conexão inicial entre os bebês e seus
ambientes. Contudo, esses reflexos iniciais não acrescentavam nada de
novo ao desenvolvimento, pois sofrem muito pouca acomodação. Assim, eles
refletem os limites provenientes de nossa herança genética.
Segundo Piaget (1977,
apud COLE & COLE, 2003)
“poder-se-ia dizer que a lei básica da atividade psicológica desde o
nascimento é a busca pela manutenção ou repetição de estados de
consciência interessantes“ o que consistiria, então, numa primeira
evidência de desenvolvimento cognitivo.
Essas relações circulares nos meses iniciais de vida propiciam o
desenvolvimento tanto da diferenciação, que se refere à capacidade do
bebê de diferenciar objetos (como quando aprendem que certos objetos
podem ser sugados, e outros não), quanto da integração, característica
do bebê que permite uma coordenação com as duas mãos como quando seguram
um brinquedo com uma mão, e o braço da mãe com a outra. (COLE &
COLE, 2003)
Nos primeiros meses de vida, o bebê não possui a capacidade de
entender a permanência do objeto, que é a capacidade de assimilar que
objetos continuam a existir mesmo quando não estão no campo visual da
criança ou quando não podem ser manipulados por ela. Em
A construção do real pela criança
(1996), Piaget descreve que, inicialmente, no conjunto das impressões
que a criança tem de mundo, ela reconhece e distingue certos grupos
estáveis, denominados de quadros. Quando não percebe um objeto ou pessoa
nesse quadro, a criança ainda não tem maturidade para entender que os
objetos continuam a existir, mesmo quando não estão presentes.
2º subestágio: vai de aproximadamente 1 mês e meio
até 4 meses. Nesse subestágio, a criança, depois de executar por acaso
uma ação que provoca uma satisfação, passa a repetir essa mesma ação
repetidas vezes, o que é chamado de reação circular. Durante esses
primeiros meses de vida, em que o objeto de manipulação é o próprio
corpo do bebê, esse comportamento é chamado de reação circular primária
(como quando a criança suga o polegar, primeiro num movimento aleatório,
e depois repete essa ação, em vista da satisfação que gera na criança).
É nessa etapa que os bebês também começam a atentar para os sons,
demonstrando capacidade de coordenar diferentes tipos de informações
sensoriais, como visão e audição, e a coordenar seu universo visual com o
tátil.
Piaget (
apud PAPALIA et al, 2006) afirma que, através da
coordenação de informações visuais e motoras, os bebê vão desenvolvendo o
conhecimento sobre o meio que o cerca, objetos e espaço, vendo os
resultados de suas próprias ações. Primeiramente, esse conhecimento
limita-se àquilo que está ao seu alcance. Com a chegada da
autolocomoção, aí sim os bebês poderão se aproximar de um objeto, para
então avaliá-lo e comparar sua localização com a de outros objetos.
3º subestágio: vai de 4 a 8 meses. É durante esse
período que as reações circulares do bebê passam a ser secundárias, ou
seja, o foco da ação é externo ao bebê, como quando a criança descobre
um brinquedo e o utiliza para brincar.
Nessa fase os bebês dirigem sua atenção ao mundo externo, tanto aos
objetos quanto para os resultados de suas ações. As reações circulares
secundárias também são aplicadas às vocalizações, em que o bebê emite
sons que são selecionados pelos pais, ao reforçarem a emissão dessas
vocalizações.
Cole & Cole (2003) citam que essa mudança de reações circulares
primárias para secundárias indicou a Piaget que os bebês estão começando
a entender que os objetos são mais do que extensões de suas próprias
ações. Mas não possuem ainda noção definida do espaço à sua volta,
descobrindo o mundo muitas vezes em ações acidentais.
4º subestágio: Vai aproximadamente de 8 a 12 meses.
Nessa fase, há um desenvolvimento na coordenação das reações circulares
secundárias. Assim, o bebê já possui maior controle sobre a manipulação
do meio externo, e conduz ações voltadas a um objetivo, ou seja, tem
intencionalidade em seus atos. As crianças então conseguem coordenar
esquemas elementares para conseguir algo que eles querem.
É nesse período que a criança desenvolve melhor a noção de
permanência do objeto, procurando ativamente objetos desaparecidos, por
exemplo, utilizando da preensão para afastar algum objeto que esteja
escondendo aquilo que o bebê quer. Cole & Cole (2003) escrevem que
Piaget defendia que até o subestágio 4, os bebês são totalmente
desprovidos da permanência do objeto e por isso não podem manter na
mente objetos ausentes. Consequentemente eles experimentam o mundo dos
objetos como um fluxo de quadros descontínuos, que estão sendo
constantemente aniquilados e reanimados.
A criança, aqui, já é capaz de comportar-se deliberadamente, dotada
de intencionalidade, e desenvolvem essa capacidade à medida que vão
coordenando esquemas previamente aprendidos e a usar comportamentos
anteriormente aprendidos para atingir seus objetivos (como engatinhar
pela sala para pegar um brinquedo), podendo inclusive antecipar
acontecimentos. (PAPALIA
et al, 2006)
5º subestágio: ocorre entre 12 a 18 meses,
aproximadamente. Nessa fase, os bebês apresentam reações circulares
terciárias, em que testam ações a fim de obter resultados parecidos, ao
invés de apenas repetir movimentos que trouxeram satisfação. Há uma
interação das reações primária e secundária, existindo então um foco nos
objetos e no próprio corpo. Cole & Cole (2003) diferenciam as
reações circulares terciárias das secundárias por conta do caráter de
tentativa e erro da primeira, enquanto as reações circulares secundárias
envolvem apenas esquemas anteriormente adquiridos.
Nesse período há o início do desenvolvimento do pensamento simbólico,
em que a criança realiza imagens mentais, ou seja, a capacidade de
representar simbolicamente uma realidade mentalmente.
6º subestágio: último estágio, o das representações,
que vai de 18 a 24 meses. Há o domínio da permanência do objeto, ou
seja, há representação dos objetos ausentes e de seus deslocamentos. A
representação,
ou seja, a capacidade de representar mentalmente objetos e ações na
memória, principalmente através de símbolos (incluindo os numerais),
significa dizer que os bebês conseguem representar o mundo para si
mesmos, envolvendo-se, portanto, em ações mentais reais. (COLE &
COLE, 2003; PAPALIA
et al, 2006)
Os autores afirmam, também, que a capacidade de manipular símbolos
proporciona à criança ampliar suas percepções e experiências, não
estando mais limitadas a experiências imediatas, apenas ao seu alcance.
Elas já são capazes de imitação diferida, ou seja, reproduzir uma ação
mesmo quando não está mais à sua frente. Surge o “faz de conta”, pensam
antes de agir, têm compreensão de causa e efeito, podendo então resolver
problemas.
Esse subestágio é uma transição para o estágio pré-operacional da
segunda infância. O ponto final do desenvolvimento sensório-motor é a
capacidade de retratar o mundo mentalmente e pensar sobre ele sem ter de
recorrer à tentativa e erro.